Carta do Rio

Por Marcus Tavares, publicado originalmente na revistapontocom

Projetos não faltam para promover e incentivar a cultura para a infância como uma política pública, de fato e de direito, prioritária do Estado brasileiro. Falta, talvez, vontade política. Nos dias 23 e 24 de setembro deste ano, representantes de pontos e pontinhos de Cultura, artistas, produtores, pesquisadores, educadores, universitários e gestores públicos e privados, presentes ao I Fórum Nacional de Cultura Infância, no Rio, redigiram a Carta do Rio, documento coletivo que reúne propostas para a área. O texto, que será submetido, em breve, ao Conselho Nacional de Política Cultural, está dividido em quatro eixos temáticos: tempo, espaço, linguagem e educação. Em cada um deles, há três sugestões de encaminhamento.

A ideia do documento também é assegurar que todos os estados e municípios que aderiram ao Sistema Nacional de Cultura (SNC) prevejam metas, programas, ações e dotações orçamentárias para a cultura da infância. Além disso, o texto sugere a criação de 100 Centros de Referência Cultura Infância, para onde convergiriam as políticas públicas voltadas à cultura da infância no Brasil. O secretário de Políticas Culturais do Ministério da Cultura, Américo Córdula, esteve presente, representando a ministra da Cultura, Martha Suplicy.

Jovens: presença fundamental

A abertura do encontro contou com a presença de crianças e jovens de duas escolas da cidade do Rio de Janeiro: Colégio Estadual José Leite Lopes – Núcleo Avançado em Educação, escola pública da Secretaria de Estado de Educação do Rio em parceria com o Instituto Oi Futuro; e Escola Sá Pereira, escola da rede privada. Os estudantes – convidados especiais – abriram o evento lendo textos e exibindo vídeos que produziram como forma de explicitar a realidade deles frente às políticas culturais e revindicar mais direitos e espaços neste sentido.

“Pensamos que o objetivo da vida não é ser adulto, que a juventude é um marco de possibilidades, mas que nós, jovens, somos invisíveis para nos expressarmos em relação à realidade. A adolescência é muitas vezes considerada como o meio do caminho, não há incentivo para vivê-la plenamente. Então os jovens só têm a opção de ser adultos rapidamente, pois ser criança, aparentemente, seria regredir na vida. Pensamos que o jovem e a criança não apenas se alimentam de cultura, mas também produzem, fazem parte dela. No entanto por que grande parte dos programas culturais nos subestimam? Medo do que possamos vir a ser?”, indagam os estudantes da Escola Sá Pereira, do Ensino Fundamental.

Os alunos do Ensino Médio, do NAVE, apresentaram um vídeo, no qual entrevistam uma criança sobre o conceito e a visão dela sobre cultura. Na ocasião, também, produziram um jogral, que narra a realidade de vários jovens que não têm acesso aos bens culturais.

Organizado pela diretora e atriz Karen Acioly, o Fórum Nacional Cultura Infância reuniu cerca de 100 pessoas/profissionais de diferentes estados do país. “Foi um encontro marcado pelo ineditismo e pela representatividade. E mais do que isso: pela importância da elaboração da Carta do Rio que faz uma projeção possível para os próximos 10 anos”, destacou Karen.

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Foto: Fórum Nacional Cultura Infância, divulgação

Confira os eixos do documento, com as sugestões do grupo de trabalho:

Eixo tempo
– Garantir o tempo presente da criança para brincar. Incentivar e estimular os adultos à prática lúdica, para que compreendam e se sensibilizem para o universo da infância.
– Criar núcleos de documentação e prática da cultura da infância: mapeamento, registro, preservação, valorização, acesso e disponibilização da cultura tradicional da infância (brinquedos e brincadeiras) de todo o país, integrando esse acesso às novas tecnologias.
– Reconhecer, declarar e assegurar o exercício e o tempo da infância em constante criação e recriação, dando visibilidade e prioridade absoluta à sua cultura.
-Garantir o compartilhamento e a troca entre as várias gerações e entre os mestres da cultura da infância, detentores dos saberes relacionados aos brinquedos e brincadeiras.

Eixo Espaço
– Criar, equipar, cuidar, reconhecer e ampliar, de forma continuada, espaços públicos, inclusive virtuais, voltados para a cultura da infância, seguros, saudáveis e acessíveis, que valorizem o brincar livre, a arte e o contato com a natureza.
– Democratizar o acesso à cultura e a expressão das crianças e adolescentes nos espaços e equipamentos culturais, favorecendo a convivência familiar, comunitária e intergeracional, respeitando a diversidade e as diferenças, valorizando as múltiplas linguagens artísticas e a troca de saberes e fazeres.
– Criar e fortalecer políticas públicas continuadas de fomento e investimento, em âmbitos municipal, estadual e federal, voltadas especificamente para criar, equipar, manter, reconhecer e melhor aproveitar os espaços existentes (escolas, bibliotecas, museus, teatros, cinemas, Pontos de Cultura, praças e parques, entre outros), e projetos específicos para a criação, manutenção, mobilidade e ocupação dos espaços destinados à cultura da infância, distribuídos por todas as regiões do Brasil.

Eixo Linguagem
– Garantir diferentes mecanismos anuais de financiamento e estímulo para a criação, produção, manutenção e circulação de produções que tenham a criança e o adolescente como público e agente de cultura.
– Assegurar que os estados e municípios que aderiram ao Sistema Nacional de Cultura prevejam metas, programas, ações e dotações orçamentárias para a cultura da infância.
– Criar, reconhecer e apoiar redes nacionais de artistas, produtores, educadores e pesquisadores dedicados à infância, contemplando ações de formação, articulação e intercâmbio, tais como mapeamento de iniciativas, laboratórios criativos, seminários, festivais, mostras, oficinas e residências artísticas em âmbito regional, nacional e internacional.

Eixo Educação
– Identificar, promover e fomentar ações culturais que reconheçam as crianças e adolescentes como geradores, produtores e gestores de cultura em seus processos formativos (formais e não formais).
– Garantir processos dialógicos, continuados e transversais de formação em cultura da infância e arte como via de interpretação, significação e entendimento do mundo, para todos os agentes educativos (educadores, mediadores, gestores), contemplando as linguagens das artes, as culturas tradicionais de matrizes africanas e indígenas, as culturas populares, a diversidade biocultural e a acessibilidade.
– Fomentar a formação de crianças, adolescentes e educadores nas diferentes linguagens da arte, por meio do incentivo a ações curriculares e extracurriculares de fruição e criação artísticas nas escolas e espaços públicos culturais, e do estímulo à continuidade de ações já existentes, de forma a garantir a experiência da arte na infância, em sua diversidade geográfica, histórica e estética.

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Acesse, na íntegra, a Carta do Rio Forum Nacional Cultura Infância

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