Documentário Eleições: lições da política jovem na escola
Foram três meses de filmagem dentro de uma escola pública da zona oeste de São Paulo para acompanhar o processo de eleição de um grêmio estudantil e o resultado é o filme documentário Eleições, da diretora Alice Riff, que estreia nos cinemas.
Filmado em 2018, “Eleições” também é um modo de reflexão sobre novas e antigas formas de participação e representação política. No microcosmo da Escola Estadual Doutor Alarico da Silveira, no bairro paulistano da Barra Funda, a formação de chapas, a propaganda eleitoral, os temas de campanha e a performance dos candidatos ora espelham, ora ressignificam muitas das práticas e discursos da macropolítica, e questões de gênero, de religião e ética atravessam as disputas e debates entre os adolescentes.
Por isso mesmo, não se trata só de eleição. Além dos bastidores do processo eleitoral no colégio, o documentário mostra a escola como amálgama de relações de amizade, vínculos e inspirações no universo de jovens do ensino médio. “É um espaço de encontro de jovens que estão se descobrindo. Para mim, isso é o que mais interessa”, contou a diretora.

Alice Riff conta que a motivação do filme surgiu no período pós-ocupação das escolas públicas de São Paulo, o movimento de estudantes secundaristas que em 2015 e 2016 se manifestou contra o projeto de reorganização da rede de ensino no Estado e que causaria o fechamento de colégios. Em protesto, os secundaristas ocuparam cerca de 200 escolas à época. O Alarico, onde o documentário “Eleições” foi gravado, não foi uma delas, mas, segundo Alice Riff, o que instigou o projeto foi conhecer a realidade de uma escola de São Paulo após o período de mobilização que estimulou a formação de grêmios estudantis: “Meu interesse maior era: Como é que esses estudantes vão voltar para a escola?”

Alice Riff assina o roteiro com Vanessa Fort. A produção executiva é de Heverton Lima. Alice contou em entrevista ao comKids como foi o processo de narrativa do documentário e a experiência de gravação na escola Alarico.
O longa foi produzido por meio do Edital Videocamp de Filmes – Edição 2017, iniciativa da plataforma Videocamp que possibilita a organização de exibições públicas gratuitas de produções audiovisuais. Confira a entrevista com a diretora.
comKids – Como foram esses três meses dentro da escola para as gravações?
Alice Riff – A gente ia com a equipe e chegava às 6 da manhã, quando os alunos começam a chegar a gente está estava pronto. Filmava durante a manhã todos os dias. À tarde a gente filmava fora da escola com os alunos. A gente fez muita filmagem fora da escola porque no projeto inicial a ideia era investigar tanto as ações coletivas quanto as individuais dos protagonistas, das lideranças das chapas. No final, não coube, mas foi muito boa essa aproximação que a gente teve à tarde nas casas, conhecendo as famílias, porque fez a gente ganhar também intimidade com eles.
– Então ficou muita coisa de fora.
A gente tem até projeto para uma série, para sair da escola. Porque o filme é dentro da escola, mas a gente filmou muita coisa por fora. Coisas incríveis. A gente se aproximou da maioria.

– Por que filmar no Alarico e acompanhar uma eleição de grêmio?
Acho que as experiências democráticas dentro das escolas públicas são pontuais, pequenas. Eu acho que a construção de uma escola democrática, de processos democráticos, de uma aprendizagem mais horizontal é um desafio. Sempre foi um desafio.
Eu comecei a pesquisar várias escolas que tinham processo de grêmio e o Alarico acolheu o projeto, achou que seria interessante, que isso traria uma série de aprendizagens para os alunos.
E eu sentia que o Alarico era uma escola que se pareceria com outras escolas do Brasil. Não tinha movimento estudantil organizado, foi uma escola também que não foi ocupada, porque não ia ser fechada, então isso facilitou um pouco no diálogo com professores e gestores. Porque muitas escolas em que eu fui conversar, e que tinham sido ocupadas, tinha um certo receio. O Alarico achou uma ideia legal, e tem grêmio. Lá os alunos se empolgaram bastante com a ideia do filme. E grande parte dos alunos da escola é da Favela do Moinho, era interessante pegar uma juventude bem diversa.
– Sobre os adolescentes que você ouviu, percebe-se o trabalho grande de escuta que vocês tiveram para poder representar opiniões diversas no filme. As atividades paralelas às filmagens que vocês promoveram na escola, como rodas de conversa e workshops, ajudaram nesse processo?
Todo o processo de pesquisa e roteiro eu fiz com a Vanessa Fort. A gente primeiro começou a conversar com os alunos. Uma das primeiras coisas que a gente estabeleceu é que não ia tachar esses adolescentes em estereótipos, ou em grupinhos, que é uma coisa que acontece muito quando a gente pensa em uma série de produções que falam de infância, juventude, escolas. Como aquelas escolas americanas em que se dividem as pessoas em grupinhos… A gente não trabalhou nessa chave, com isso a gente não colabora com nada. Esse era um espaço de eles mesmos se transformarem ao longo do processo. Um processo que nem acabou ao fim das filmagens. Agora passando o filme, debatendo, conversando, eles continuam pensando sobre eles mesmos.
Outra coisa foi muita conversa. Desde quatro meses antes das gravações, nas férias – porque a gente chegou para gravar no primeiro dia de aula do ano passado -, a gente se encontrava individualmente ou em grupo e conversava muito para tentar entender: “quem é você, da onde você vem, o que você pensa e tal”. E a gente ia explicando também o filme a gente queria fazer: um filme que queria escutá-los. Eles que sabiam o roteiro, o curso do filme.
A gente não sabia as chapas que iam nascer dali. Foi um esforço de o tempo inteiro olhar para todos, mesmo na construção das cenas, da narrativa mesmo. A gente chegava na escola com tudo pronto para filmar e começava andar pelo colégio para saber o que estava acontecendo. A cada situação a gente conversava sobre o que eles queriam fazer e montava uma cena coletivamente. Aí deixava com eles.
Essas oficinas que você mencionou iam surgindo à medida que a gente ia percebendo que seria legal discutir alguma coisa. Por exemplo, a gente fez uma oficina de Teatro do Oprimido. Foi um processo pedagógico mesmo a nossa presença com a equipe ali dentro.

– O documentário também é um conjunto de referências desse público, adolescentes que consomem muito audiovisual e também se expressam muito pelo audiovisual. É o jogo no celular, a brincadeira de youtuber-repórteres…. O processo de produção do filme também incluiu um olhar atento para essas formas de expressão?
O tempo inteiro. O filme fala muito disso; as roupas, o jeito de falar, o jeito de se movimentar naquele espaço, as referências, a música do intervalo….foi um mergulho meu e de toda a equipe. A gente voltou mesmo para a escola, começou a escutar a música que eles escutavam, começou a entrar nesse universo. Tem um estudo de 2015, feito pelo MEC, sobre a alta evasão escolar no ensino médio e que tenta entender os que ficam na escola: por que ficam? O que faz você ir para a escola todos os dias? E o que mais responderam é: encontrar os amigos, é o meio social. É um espaço de encontro de jovens que estão se descobrindo. Para mim, isso é o que mais interessa. Uma coisa que a gente fez muito é pesquisar sobre o que gostam, o que assistem, onde veem o que assistem, os youtubers… A gente estava muito atento a isso.
– Agora, além das exibições no circuito de cinema, vai ter exibição na plataforma online Videocamp (Instituto Alana).
O vídeo camp é uma plataforma de filmes voltados para a educação, para pensar a sociedade e temas da sociedade, para exibições públicas e gratuitas. A gente está fazendo toda uma mobilização para conseguir levar as salas de aulas para o cinema. Vai entrar também no circuito Spcine, então a gente quer promover essa ida ao cinema. É um filme que tem os protagonistas muito parecidos com o público. Mas é um filme que vai ser disponibilizado e pode ser exibido nas escolas para educadores, professores em formação. Interessa muito a quem pensa a educação, para estudantes e para as escolas.
Eleições, 2019, 1 h 40 min
Direção: Alice Riff
Produção executiva: Heverton Lima
Roteiro: Alice Riff e Vanessa Fort
Produção: Studio Riff e Paideia Filmes
Produção-associada: Vanessa Fort
Distribuição: Olhar Distribuidora
Realização: Videocamp (Edital Videocamp de Filmes – Edição 2017) e Alana
Patrocínio: Coca-Cola Brasil