Pequeno grande criador
Hoje minha conversa é com Juan Pablo Zaramella (veja aqui outro papo entre nós), realizador de muitos talentos. Suas criações, “Viaje a Marte”, “Sexteens”, “Luminaris” e tantas outras tem sido reconhecidas nos mais importantes festivais e seus desenhos são amados por um público muito extenso, de todas as idades e no mundo inteiro. Sem exagero.
AD – “Viaje a Marte” é uma produção muito particular, sua, adorada por crianças e adolescentes. Mas você nunca a pensou especificamente para este público. O que você acha que descobriu fazendo essa obra? Como você continua nesse caminho?
Z – Embora “Viaje a Marte” (cujo protagonista é uma criança), e o projeto que tenho agora sejam universos que se aproximam muito do mundo infantil, sinceramente são ideias que simplesmente chegam. Não é que não me questione sobre o que posso fazer para agradar as crianças. Nunca pensei nesses termos. Penso em coisas que gostaria de fazer, que me interessam desenvolver e sigo em frente. Porém, talvez o contato com o mundo infantil surja porque o que estou fazendo hoje é uma extensão dessas atividades que eu fazia desde que era pequeno: desenhar, gravar vozes com meus amigos, fazer filmes em papel de carbono nos projetorezinhos Cine Graf. Tudo aquilo é o início de algo que continua até hoje. Esses jogos de infância se tornaram a vontade que tenho de fazer filmes. Eu acho que aí é que está a conexão.
AD – E quem é “El hombre más chiquito del mundo” (“O homem menor do mundo”, trad. livre)?
Z – Eu não… (risos). É um personagem que mede apenas 15 cm. É o protagonista de um projeto de série em stop motion em que estou trabalhando agora. Vive no mundo e quer poder viver a vida como qualquer outro. Não vai dirigir um carro pequenininho e sim dirigir um carro grande, tem uma casa “normal”, vai fazer o que cotidianamente fazemos todos, mas lutando contra o problema de ser tão pequenininho. Os gags que a série propõe surgem deste contraste: um homenzinho no mundo real.


AD – E você fez novamente! Não alcançar uma torneira, ver um adulto desde baixo como um gigante, não poder alcançar um brinquedo na estante… o homenzinho condensa a frustração literal com a qual convive uma criança pelo seu tamanho e a metáfora do homem adulto frente às dificuldades.
Z – Sim, totalmente. Esse é o ponto. Basicamente é um tema universal. Quem nunca se sentiu pequeno alguma vez diante de algum problema? Creio que é esse o gancho que a todos nos toca, de um ou de outro modo, em uma ou outra situação em que algo se torna grande demais para a gente.
AD – E com respeito às possibilidades econômicas de materializar os projetos: você é um nome que não precisa pedir para que te apoiem ou você é o homenzinho que ainda precisa convencer ao capital para que financie as suas ideias?
Z – É mais fácil agora que há alguns anos. Hoje bato em uma porta e eles me abrem pelo menos. Não tenho que estar esperando indefinidamente como quando comecei. Já tenho acesso a um montão de produtores – não é garantia de que me digam sim – mas pelo menos sabem quem eu sou, me escutam com vontade. Para os meus projetos mais pessoais, como os curtas, ainda prefiro ter certa independência e aceito a ajuda com algumas condições, sei perfeitamente qual é o limite até onde pretendo ceder.
“El hombre más chiquito del mundo” (“O homem menor do mundo”, trad. livre) é diferente. É uma série. Eu o planejo como um produto. Certamente trabalharei com uma equipe. Sou permeável com esse projeto. Vai se armando com o que vai surgindo, somando reações, estando atento ao que acontece e ao que posso fazer diante disso.
AD – E suponho que por seus 15 centímetros, além de dificuldades, deve haver vantagens…
Z – Sim, claro… é possível viajar dentro de um bolso ou em um envelope e se enviar a si mesmo a qualquer parte do mundo… São muitas as vantagens, o seu tamanho lhe permite entrar em lugares nos que ninguém entra. Não é necessário pedir permissão. Tem impunidade para muitas coisas…


AD – E aqui também surgem os desejos infantis de não ter que pedir licença… e com muito senso de humor…
Z – Passar desapercebido é muitas vezes uma grande virtude. O imprevisível e o absurdo me atraem. E eu sempre gostei do humor como maneira mais direta de se chegar ao público. Vai mais além do fato de o produto que você está fazendo seja ou não humorístico, o humor te permite ganhar o público de um modo muito direto. Se o público riu, você já ganhou a simpatia dele, você conquistou sua confiança e irão acreditar em você mais facilmente. Isso é o que parece que não pode faltar, o humor, mesmo que seja como condimento…
AD – E falando sobre condimentos, você se sente como argentino, latino-americano ou sem fronteiras?
Z – Me sinto mais sem fronteiras, mas eu acho importante que em alguns projetos se note claramente desde qual lugar geográfico as ideias vêm. O curta que estou realizando agora, por exemplo, tive possibilidades de gravá-lo em outros lugares, mas quero fazê-lo aqui. Falado em espanhol. Isso aconteceu com “Viaje a Marte”, foi uma decisão que os personagens falassem em argentino e que as paisagens fossem claramente argentinas. É o universo em que eu vivi toda a minha vida. É o que eu conheço. É de onde são os meus personagens. Não posso dirigir um personagem desses falando em inglês.
AD – E, em termos gerais, você acredita que existe hoje uma “produção latino-americana” com identidade própria?
Z – Na verdade, mais ou menos. Sim, para casos isolados. Tirando essas exceções, a sensação geral é que quando há muito profissionalismo, há pouca identidade e quando há identidade, os projetos são muito amadores. A indústria não está interessada no autenticamente regional e as grandes produções tendem a diluir-se em um modelo que está sendo proposto pela união europeia ou pelos EUA. Eu gostaria de ver a identidade como uma coisa mais estendida, para além dos lugares nos que as histórias transcorrem e de como falam os personagens. Na América Latina há uma identidade visual muito forte que ainda não vejo refletida em todo seu esplendor.
AD – Se você tivesse que descrever o momento de maior felicidade de seu trabalho…
Z – Um momento que me agrada muito é quando você está editando e vê que essa ideia que você tinha pensado começa a funcionar. E atenção, é possível assemelhar-se ou não à sua ideia original, mas você a vê funcionando, e vê que a história cresce, indo mais além do seu ponto de partida: você se dá conta que foi possível criar esse universo.
E depois, é fundamental o momento de experimentá-la com o público. Porque uma coisa é sentir que para você funciona, mas logo me pergunto: as pessoas vão ver o que eu estou vendo? E quando você vê que o público vê, que sente o que você queria transmitir em sua história, isso é algo muito satisfatório.
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