Episódio brasileiro de “O dia em que me tornei mais forte” é finalista no Festival de Chicago

Série realizada pelo canal Futura em parceria com Fundação Prix Jeunesse e Midiativa conta história real de superação de menino da periferia de SP

Ítalo Dias em cena de “Caixa de memórias”. Créditos: divulgação Canal Futura.

O episódio “Caixa de memórias”, da série internacional “O dia em que me tornei mais forte”, foi selecionado como finalista no Annual Chicago International Children’s Film Festival, um dos mais importantes eventos do segmento. A notícia foi recebida com muita emoção por nós, da equipe do Midiativa – Centro Brasileiro de Mídia para Crianças e Adolescentes. A temporada brasileira da série é fruto de uma parceria entre o Midiativa, a Fundação Prix Jeunesse Internacional e o Canal Futura, que está exibindo a produção na TV e internet, junto aos episódios internacionais.

Caixa de memórias conta a história real de Ítalo Dias Silva, um paulistano de 11 anos que perdeu o pai por Covid-19 em 2020. A primeira vez que escutamos o relato difícil e corajoso do processo de luto que Ítalo enfrentava foi durante um Clube de Histórias que o Midiativa realizou ao longo de duas semanas em setembro de 2020.

O Clube reuniu virtualmente doze crianças de diversas regiões do país para ouvir suas narrativas de vida e estimular a empatia, a autoconfiança, a habilidade de resolver problemas e a resiliência dos meninos e meninas participantes. Para isso, utilizamos uma metodologia de escuta ativa e storytelling desenvolvida por Maya Götz, Diretora do Centro de Estudos sobre Juventudes e Educação da Fundação Prix Jeunesse, aplicada em mais de 50 países para seleção das histórias que são, posteriormente, transformadas nos episódios da série.

Desenho de Ítalo traz ele e sua mãe chorando ao receber a notícia da morte do pai, do lado de fora do hospital. Créditos: Clube de Histórias Midiativa 2020/divulgação.

“A série de TV é o resultado de um estudo mundial, que revelou como as crianças em todo o mundo experimentam sua própria força. Crianças de qualquer lugar do planeta têm de lidar mais ou menos com os mesmos problemas, mas essas experiências acontecem em um contexto cultural específico, com hábitos e rituais igualmente particulares. Contar essas histórias de todo o mundo estimula a resiliência e a compreensão cultural. As histórias são visualizadas de uma maneira muito forte: somos todos iguais, mas de maneiras diversas”, explica Maya.

Durante os encontros do clube, escutamos mais de 20 relatos incríveis que remetiam a episódios da série filmados em outros países, mas com contornos muito brasileiros, como descrito por Maya acima. A tônica das narrativas por aqui foi mesmo o luto, mas as crianças também nos relataram, por exemplo, sobre o dia em que venceram o medo de escalar a árvore do quintal, superaram uma limitação para aprender a ler ou construíram seu próprio arco e flecha – essa última, contada por Tauana de Costa Cruz, menina indígena do povo Kambeba, no Amazonas, que também foi transformada em um episódio da série.

Clique aqui e assista às histórias de Ítalo, Tauana e outras crianças ao redor do mundo, pelo site do Canal Futura.

Conduziram as conversas com as crianças Priscila Crispi, jornalista do comKids, Daniel Leite, coordenador do núcleo educativo do comKids, e Felipe Barquete, coordenador da Semente – Escola de Educação Audiovisual. “A metodologia proposta pelo projeto articula uma dimensão de arte-educação, mas ao mesmo tempo traz uma dimensão pedagógica, ligada à educação emocional, e uma dimensão terapêutica, na medida em que as práticas ajudam as crianças a reconhecerem suas formas de sofrimentos e elaborarem suas dores, além de contribuírem umas com as outras”, detalha Felipe.

O cineasta explica que as atividades realizadas eram todas perpassadas pela linguagem narrativa audiovisual. Primeiro, as crianças desenhavam momentos isolados, depois passavam para histórias em quadrinhos, ou storyboards, o que depois foi traduzido em um livro digital, distribuído a todos os participantes, e, em alguns casos, nos episódios da série de TV. “Essa curva de evolução demonstra como a linguagem audiovisual tem esse potencial articulador de diversos aspectos da nossa vida. Nesse caso, das lembranças e emoções, mas também do pensamento, reflexão e desenvolvimento de um sentido para essas experiências. Isso faz com que os conteúdos audiovisuais produzidos a partir dessa escuta sejam extremamente relevantes e conectados com a vida, não só das crianças, mas de todos nós”.

Daniel relembra que o grupo de crianças com quem trabalhamos passou por uma seleção especial. Todas elas tinham vivências muito desafiadoras para a infância – de doenças na família, condições precárias de vida e moradia, falta de acesso à tecnologia, realidades comuns a muitas crianças do Brasil – logo, elas tinham muito o que contar. “Nenhuma delas teve a oportunidade de passar por uma terapia, por exemplo, e ter moderadores ali que as escutaram com atenção, com empatia, sem julgamentos ou tentando resolver as questões ali na hora, de forma simplista, certamente fez uma diferença em suas vidas”, afirma o educador.

Tauana Cruz em cena de “Meu primeiro arco e flecha”. Créditos: divulgação Canal Futura.

Ele explica que acessar memórias nos ajuda a determinar nossa identidade, porque as histórias que contamos sobre nós mesmos nos estabelecem. “Nosso sentimento é que, ao final do processo, todas as crianças saíram ganhando, mais conscientes da sua história e da sua força, com mais capacidade de vencer novos desafios, mesmo as que não participaram da série, ao final”. E Ítalo confirma a percepção: “com o Clube de Histórias, aprendi coisas como nunca desistir, correr atrás do que se quer, amor ao próximo, compaixão e união”.

Para encontrar e selecionar as crianças que participaram do Clube, contamos com o apoio do Futura, do projeto Crescer Sem Violência, Fundação Amazonas Sustentável, Fundação Casa Grande, Projeto Giral, Senac São Paulo e Unibes Assistencial, essa última, organização onde Ítalo realiza atividades de complementação escolar.

Produção dos episódios

Após coletar as narrativas, Beth Carmona, diretora do Midiativa, selecionou, com a ajuda da equipe que coordenou os grupos, as histórias que seriam apresentadas ao Futura e ao Prix Jeunesse. “Foi difícil selecionar apenas duas, pois todas as histórias eram fortes e emocionantes. Mas Ítalo tinha uma maneira única de relatar a perda e a tristeza que tinham abatido sua casa”, conta Beth.

O roteiro de não-ficção foi construído por Maya Götz com a participação de Beth Carmona e Thaisa Oliveira. Beth explica que o maior desafio na roteirização foi o de manter a voz de Ítalo presente na obra, com seu bom-humor, fugas e enfrentamentos. “A base de construção do roteiro foi o depoimento dele, mas a partir daí tem a ficcionalização e a construção de um passado narrativo. A caixa de memórias, por exemplo, é nossa invenção, e surgiu como forma de resolver uma questão emocional de uma forma visual, com imagens”.

Alguns episódios da série trazem crianças atrizes no lugar dos autores das histórias, mas, no caso dos episódios brasileiros, os próprios Ítalo e Tauana atuam e narram sobre o dia em que descobriram sua própria força. Os familiares que aparecem na tela, com exceção do pai de Ítalo, também representam a si mesmos.

A produção executiva do episódio é de Thaisa Oliveira, com edição de Fernando Stutz e direção de Cecilia Engels. “Tivemos muitos desafios, a gente teve que cuidar dos protocolos Covid e a equipe foi super reduzida para não se aglomerar muito,  porque a casa deles é muito pequena. Como a gente optou por gravar com a criança protagonista, numa mistura de documentário e ficção, tomamos muito cuidado para que o Ítalo estivesse sempre confortável com tudo. Ele participou ativamente de todo o processo, desde o roteiro, escolha de objetos, até a ordem que as coisas iam acontecer”, conta Thaisa.

Equipe de produção faz imagens na casa de Ítalo. Créditos: Divulgação, Midiativa.

Cecilia acrescenta que todo o contexto do projeto tinha a ver com permitir que as crianças elaborassem os momentos de suas vidas que foram transformadores. Neste sentido, a filmagem deveria, também, fazer parte deste conjunto de coisas que trariam amadurecimento para Ítalo. “Ele foi convidado a fazer algumas coisas pela primeira vez – reviver sua própria história e trazer um novo significado para sua dor e saudades do pai. Para isso, me propus a me conectar com ele de coração para coração, porque eu também havia perdido minha avó para a Covid”.

Para trabalhar no set com uma criança não-atriz que acessava memórias de dor, a equipe do Clube de Histórias preparou e acompanhou Ítalo durante as filmagens. “Eu já havia trabalhado com não-atores antes, mas não crianças. Então, ter o suporte da Priscila e da Thaisa no set, que já tinham mais intimidade com ele, foi fundamental, pois considero que fizemos, muitas vezes, um trio que dialogava com ele”, explica a diretora.

Diretora Cecilia Engels e Ítalo se divertem durante gravação do episódio. Créditos: Cecilia Engels, arquivo pessoal.

A série, que foi exibida no primeiro semestre deste ano pelo Canal Futura, ganhou uma versão inédita da música-tema composta e gravada pela cantora Fernanda Takai. Confira abaixo!

O Dia Em Que Me Tornei Mais Forte no Futura!

Para José Brito, gerente do Canal Futura, momentos como o que vivemos reforçam a importância das emissoras educativas e da produção de conteúdos que geram impacto social, como a série O dia em que me tornei mais forte. “Estar pronto para se adaptar às necessidades de uma geração atropelada pela pandemia é um compromisso necessário. Seja com uma história, um personagem, um contexto, uma narrativa encantadora, os recursos audiovisuais podem e devem ser um bom ponto de partida para transformações”, afirma.

Repercussão internacional

A produção concorre agora como finalista na 38ª edição do Annual Chicago International Children’s Film Festival, primeiro festival competitivo de filmes para crianças nos EUA e um dos principais da indústria. O festival aconteceu de 5 a 14 de novembro e exibiu as produções finalistas em salas de cinema e pela internet. O resultado da competição ainda não foi divulgado pela organização.

Quando soube que seu episódio tinha sido escolhido para competir no festival, Ítalo mandou uma mensagem para os produtores dizendo: “eu estou muito feliz! Sou grato a Deus pelas pessoas que ele colocou na minha vida e vocês são parte delas”.

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