O trovão nativo, projeto ganhador do Minha vez

O comKids ouviu Mauro D’Addio, da Hora Mágica Produções Audiovisuais, responsável pelo projeto “Werá, o trovão nativo” (“The Native Thunder”), ganhador da convocatória Minha vez, realizada em parceria entre o comKids e a Free Press Unlimited. O projeto é fruto da convocatória lançada em evento que contou com a presença de Jan-Willem Bult, diretor e produtor holandês premiado internacionalmente, chefe da área de Mídia infantil da Free Press Unlimited.

Na entrevista, Mauro explica, em poucas palavras, um pouco mais desse documentário que traz um jovem indígena guarani que vive em na aldeia Krukutu, localizada em São Paulo. Para quem tiver boa memória, foi Werá, esse rapaz de 13 anos, quem levantou aquela faixa dizendo “Demarcação já” na cerimônia de abertura da Copa Mundial 2014 e fez o mundo se lembrar da questão indígena. Além de ativista, o garoto também pratica rap e é o escritor de dois livros infantis, nos quais compartilha suas ideias e visões de mundo. Leia a entrevista completa abaixo.

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Werá, o rapaz que inspirou o projeto. Foto: divulgação.

Como foi o processo de pesquisa de locações e personagens para o projeto “The Native Thunder”?

Mauro D’Addio: Após a apresentação da convocatória do “Projeto Minha Vez”, me senti bastante motivado a buscar um olhar sobre o universo infantojuvenil que pudesse convergir com alguma pauta social contemporânea. Faz algum tempo que busco a oportunidade de trabalhar a questão indigenista, então foi este meu norte para o processo de pesquisa. Então um maravilhoso personagem surgiu, era Werá, este garoto que mora em uma aldeia Guarani em Parelheiros, no extremo sul da cidade de São Paulo. Além de rapper e escritor, com o primeiro livro publicado já aos dez anos, ele alcançou repercussão mundial ao empunhar uma faixa com os dizeres: “Demarcação Já”, no centro do gramado, em plena cerimônia de abertura da Copa do Mundo de 2014.

Quais os desafios que você como diretor, encontra num projeto de não ficção infantojuvenil?

M: Creio que o maior desafio é essa busca constante de humildade e aprendizado. Na ficção, podemos controlar os rumos da história e seus personagens, já neste perfil de documentário a proposta é mais seguir do que guiar, ouvir mais do que falar. Pode parecer simples, mas creio ser um desafio delicioso buscar este olhar irmanado ao do personagem, um fazer junto, onde a equipe desce do “pedestal” para ser o veículo de consolidação de um filme regido pelo olhar juvenil. Me parece muito mais uma busca por saber observar, ouvir e estimular positivamente, para que aconteçam situações capazes de resultar em um bom filme.

Vocês já definiram de que maneira o documentário tratará a oposição entre a cidade grande e a aldeia indígena? Quais os pontos de intercâmbio cultural entre essas duas realidades que vocês pretendem retratar?

M: São Paulo nasce em 1554, exatamente no estabelecimento de um posto para a catequização das populações nativas desta terra. Ou seja, desde sua fundação como cidade, São Paulo traz o gene do encontro entre a cultura europeia e as culturas nativas. A luta pela terra, defendida por Werá em seu ato na abertura da Copa, é uma pauta prioritária para a maioria dos povos indígenas brasileiros, filhos originários deste solo.

Parece-me bastante simbólico da potência cultural destes povos que, ainda hoje, mesmo com todo o ideário industrial e desenvolvimentista que pautou o crescimento avassalador da cidade, sobretudo a partir do século XX, existam aldeias Guaranis em área urbana. E que, apesar de serem perpassadas por um sem fim de influências desta megalópole, ainda consigam, ao custo de muita luta, manter viva e forte sua cultura. É indizível a beleza de crianças e jovens contando histórias em Guarani, ao redor da fogueira, em uma típica casa de reza, e isso ainda acontece em São Paulo! E assim, esta cidade tão opressora, paradoxalmente, acaba acomodando tanta diversidade.

Em um movimento antropófago, ao melhor estilo Oswaldiano, Werá é um ávido devorador de influências e, como muitos jovens paulistanos, descobriu no rap uma forma de ter voz. Agora, ao trovejar de seu canto, pode evocar nossas raízes.

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Werá protesta durante a abertura da Copa do Mundo Foto: Luiz Pires / Comissão Guarani Yvyrupa, publicada originalmente em Extra.globo.com

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