Tito e os Pássaros: estreia da premiada animação brasileira que explora o tema do medo
Antes mesmo de estrear no Brasil, a animação nacional “Tito e os pássaros” já foi indicada ao Annie Awards, como melhor animação independente; é pré-indicada ao Oscar de animação 2019 e ganhou como melhor longa de animação no Festival do Novo Cinema Latino-Americano, de Havana. Venceu também o Anima Mundi 2018 com o prêmio de melhor longa infantil e foi selecionado para a mostra competitiva de Annecy, assim como para o Festival Internacional de Cinema de Toronto (TIFF).
É com esse repertório que “Tito e os Pássaros” começa a ser exibido no Brasil dia 14 de fevereiro. O filme narra a aventura do garoto Tito e seus amigos na busca do antídoto para salvar o mundo de uma epidemia que atinge pessoas que sentem medo. Dirigido por Gustavo Steinberg, André Catoto e Gabriel Bitar, a animação de técnicas mistas tem grande referência estética expressionista. A trilha sonora é de Ruben Feffer e Gustavo Kurlat e entre o elenco de vozes da animação estão Denise Fraga, Matheus Nachtergaele e Mateus Solano.
Tito and the Birds (Tito e os Pássaros) – trailer of the feature film from Bits Productions on Vimeo.
O tema da cultura do medo para crianças
Gustavo Steinberg, diretor de “Tito e os Pássaros”, conversou com o comKids por email sobre a estreia do filme no Brasil, marcada para 14 de fevereiro. Steinberg falou da jornada do herói Tito, a inspiração em “Goonies”, a estética do expressionismo e as alegorias do tema para o diálogo com o público infantil.
– “Tito e os Pássaros” já tem uma trajetória relevante em festivais e júris internacionais antes mesmo da estreia no Brasil. Depois de oito anos de produção, essa recepção ao filme está surpreendendo?
É emocionante ver a recepção do filme. Já tinha sido emocionante quando na Europa o filme chamou a atenção principalmente pela estética diferenciada. Quando chegamos no TIFF e vimos a reação das crianças norte-americanas que nos cercaram após a sessão querendo falar mais sobre o filme (que estava legendado, ainda não estava dublado), aí realmente surpreendeu. Desde o começo queríamos fazer um filme que fosse esteticamente bonito e ousado, mas que também fosse uma aventura divertida. Acho que o fato de ser uma aventura divertida abriu muito espaço para a gente na América do Norte. E também o tema da cultura do medo talvez tenha um impacto mais físico por lá. O grande desafio agora é conseguir chegar ao público fora dos festivais. A competição dá até um pouco de tristeza. Vejo São Paulo coberta com relógios e pontos de ônibus com Homem Aranha, Ralph e nós estamos há dias conversando com as empresas de mídia exterior para ver se conseguimos pelo menos 3 (!!!) relógios na Paulista 🙂
– O filme abre espaço para reflexão sobre um tema familiar para as crianças e que de alguma forma é recorrente em algumas histórias infantis. O medo já é abordado em alegorias de pesadelos, monstros e casas assustadoras, mas Tito fala de um medo do mundo adulto que impacta também as infâncias. Você acha que essa história pode ser igualmente apreciada por adultos e crianças? Seria essa uma tendência hoje do cinema de animação, filmes para família?
Sim, é uma história para crianças e adultos porque é uma história que infelizmente vivemos todos os dias. A ideia de transformar o medo numa doença que pega – e que, portanto, pode ser curada – foi justamente para criar a possibilidade de conversa entre crianças e adultos, algo que não tem sido tão comum nos filmes ultimamente, mesmo que haja uma tendência de trazer assuntos mais sérios para filmes de crianças. Uma grande inspiração para nós foi “Goonies”, o filme dos anos 80. Lá há um problema adulto – os pais estão perdendo as casas por falta de pagamento e as crianças embarcam numa aventura transformadora para achar um tesouro. No Tito o problema é mais social, mas é claro que construímos tudo de forma mais pessoal, com situações próximas ao universo dos personagens principais.

– O filme tem técnicas mistas de animação, com uso de pintura a óleo. Poderia falar sobre o processo de escolhas estéticas e criativas para abordar essas dimensões sombrias do medo na perspectiva infantil? E sobre as cores, a paleta utilizada. O que elas sugerem?
O objetivo desde o começo foi fazer um filme sobre um tema supostamente adulto, a cultura do medo, só que com foco no diálogo com crianças. É claro que isso gerou vários desafios, mas acredito que a escolha de transformar o medo numa doença que “pega” e que gera transformações físicas – que foi o ponto de partida para a história – foi uma escolha bem acertada. O assunto maior, o medo transmitido e instigado pela mídia, ficou embutido dentro dessa metáfora de forma bastante clara, mas sem ficar pesado. Com isso, todos os esforços de Tito e de seus amigos passaram a ser voltados a como resolver a doença. Aí caímos dentro da estrutura tradicional da jornada do herói, que seguimos à risca (apesar de intervenções poéticas não tão tradicionais).
O universo distópico vem a partir da doença do medo como centro da história e de trazer medo para o filme sem criar situações chocantes demais que amedrontassem o público infantil. O expressionismo surgiu durante a pesquisa antes do início da produção do filme. O Gabriel Bitar trouxe a ideia para o resto da equipe e todos achamos incrível. Claro que o expressionismo funcionaria bastante bem para um filme que fala sobre o medo: cenários distorcidos, um universo mais sombrio, mas com cores fortes e bonitas. Fizemos um roteiro de progressão das cores e associamos cores a sentimentos: verde para a cura, vermelho para situações de tensão.
Além do expressionismo, também utilizamos outra estratégia para trazer o medo para dentro do filme sem afastar o público: a trilha sonora de Ruben Feffer e Gustavo Kurlat que é muito bonita, mas é densa, profunda. Claro que também havia a preocupação de criar um visual único, que se destacasse no mundo. Nunca tivemos a intenção de competir com Disney / Pixar. Competir com eles é o mesmo que perder 🙂 . Mas dá uma grande satisfação de apresentar o filme em Los Angeles para uma plateia com pessoal das antigas da Disney e ouvir elogios ao filme, inclusive do ponto de vista técnico. Recebemos várias perguntas sobre como conseguimos chegar ao visual que chegamos. E na verdade são um monte de soluções simples sobrepostas.
– O vilão é um empresário do ramo imobiliário que lucra com a cultura do medo e a propagação de ameaças à segurança. Um personagem inspirado em Donald Trump antes mesmo da candidatura dele à presidência. Como foi ver o tema ganhar força e tanta atualidade ao longo desses anos de produção?
Num certo sentido foi um pouco assustador 🙂 Quando Trump virou candidato e depois presidente, ficamos nos perguntando o que significava isso. Acho que estávamos olhando na direção correta. Nasci e cresci em São Paulo, então ver o medo como uma doença contagiosa não era algo difícil. Sabíamos já que era um tema importante, mas não podíamos prever que o tema ia se tornar tão central quanto se tornou nos últimos anos e meses. É um privilégio poder dialogar com o presente com um filme que começou 8 anos atrás. E o curioso é que a trama do filme não mudou muito ao longo dos anos. Claro que melhoramos o filme e mudamos coisas, mas tudo dentro do processo normal de desenvolvimento de um filme. Acho que o mundo alcançou o filme 🙂 . Ou melhor, os dois se encontraram no momento certo.
– O filme não aborda a questão das redes sociais, mas vocês também lançaram, como complemento ao tema do longa, um jogo online gratuito para abordar o medo propagado por fake news e mensagens de ódio. Pode nos contar um pouco mais disso?
Nós adultos sabemos em primeira pessoa quão viciante é o mundo das redes. Ninguém tem dúvida de que devemos encarar com muito cuidado o consumo, por exemplo, de álcool ou outras drogas por crianças. Tenho dificuldade de entender como não existe uma discussão equivalente para redes sociais, celulares, a vida digital etc. Há discussões, mas é um assunto muito complicado e que, ao meu ver, não está sendo encarado com a devida seriedade e preocupação. Às vezes acho que no passado recente ficamos tão animados com os aspectos positivos do início da internet e das redes (que são muitos) que simplesmente deixamos de prestar atenção a diversos impactos nefastos que estão bem debaixo de nossos narizes. Aí quando coisas muito graves acontecem como as fake news nas redes sociais nas eleições, tendemos a culpar um aplicativo ou outro em vez de entender que são características embutidas na forma da construção mais recente dessas redes e da própria internet.
A captura privada cada vez mais veloz da internet – antes um espaço razoavelmente público e descentralizado – é uma expressão muito clara do que vem acontecendo em nossas sociedades, em nossa organização política e até em nossas vidas privadas – através, por exemplo, dos celulares. Tudo isso já está simbolicamente no filme através da figura de Alaor Souza vendendo condomínios fechados, mas achávamos que faltava um passo a mais para aprofundar um pouquinho mais a questão das redes e por isso fizemos o jogo. E, é claro, para fazer uma experiência divertida em que você pode conversar diretamente com o Tito, a Sarah e o Buiú, desvendando segredos das redes sociais.

– A animação brasileira tem conseguido notável reconhecimento internacional nos últimos anos – a exemplo de “Uma história de amor e fúria” e “O menino e o mundo”. Como você avalia esse momento da animação nacional?
É muito legal que a gente esteja conseguindo dar mais um passo nessa trajetória da animação nacional, expandindo a visibilidade dela no resto do mundo. Graças a “O Menino e o Mundo” e “História de Amor e Fúria”, a gente chega nos mercados internacionais e encontra uma percepção de que existe animação de qualidade no Brasil. Mas essas sementes que estão sendo plantadas só vão florescer se a produção nacional continuar. Além do cinema, a animação nacional também está bombando na TV. Pra isso seguir, precisamos estabelecer regras mínimas para a continuidade das cotas no VOD, seguindo o caminho já estabelecido pela Europa, senão vai tudo por água abaixo. Existe muita simpatia pela animação nacional, mas isso não necessariamente se traduz numa atenção efetiva para esse tipo de produção, que é bem diferente do live action. E acima de tudo, precisa sair de casa e ir assistir aos filmes no cinema! Se não, não faz sentido. Então chame o vizinho, o amigo, o parente e as crianças de todos eles e vá ao cinema na primeira semana. Dia 14 de fevereiro de 2019 é a data da estreia nacional! Preparem-se e falem pra todo mundo.
Destaque: Tito e os Pássaros, divulgação.
Dia 25 de janeiro de 2019 (feriado e sexta), haverá uma sessão gratuita do filme, no Conjunto Nacional (Av. Paulista, 2073, São Paulo). A sessão é às 11h. Ingressos devem ser retirados com 30 minutos de antecedência.